quarta-feira, 16 de março de 2011

A casa de Betânia - casal Volpini - Roma 2003

A casa de Betânia (Lc 10,38-42)

Betânia é uma pequena aldeia situada entre Jerusalém e Jericó; quando Jesus aí chega espera um grupo de amigos: Maria, Marta e Lázaro. É uma família ativa e cheia de vida, cada um com a sua maneira de ser. Marta era uma pessoa dinâmica, muito ocupada, e é ela que vai ao encontro de Jesus para recebê-lo na sua casa e, em casa, é ela que mais trabalha, desejosa de mostrar a Jesus como é grande a alegria de tê-lo entre eles. Fica perto dele, prepara-lhe a refeição, oferece-lhe o que há de melhor e certamente, entre uma tarefa e outra, escuta Jesus e fala com ele…


Maria permanece simplesmente aos pés de Jesus para escutá-lo, para saborear a sua presença, para contemplá-lo. Lázaro, quanto a ele, fica de lado e deixa o espaço livre às suas irmãs, que parecem representar duas maneiras opostas de ir ao encontro do outro, apesar de estarem ambas animadas do mesmo desejo de entrar em contacto com Jesus. É esta a metáfora da nossa maneira de nos procurarmos e de entrar em contacto um com o outro.

A escuta está no centro da nossa vida conjugal e é inútil falar de realidade conjugal se não aprendermos a viver em profundidade a verdadeira comunicação no sentido “de estar em união com”. Podemos ter, por vezes, a ilusão de viver uma relação profunda, porque falamos muito, mas muitas são as palavras que ficam à superfície, ao nível da informação, que não têm eco no mais fundo do coração. São palavras que somente podem preencher o vazio ou encobrir a dificuldade de nos encontramos sós, nus e sem máscara, tu e eu vestidos somente com a autenticidade do nosso amor.

O dever de sentar-se nos leva a esta profundidade de alma, onde somente uma troca que se alimenta sobretudo da escuta encontra o seu lugar. Quantas vezes o dever de sentar-se se reduz a um rio de palavras para informar o cônjuge disto ou daquilo – a azáfama de Marta - ainda que queiramos partilhar com o outro a nossa vida. Pior ainda, por vezes o dever de sentar-se torna-se oportunidade para reivindicar direitos não respeitados, injustiças sofridas, oportunidade para fazer um rol de tudo o que não funciona, como se fosse um espaço de desforra em relação ao cônjuge…Também Marta vive esse sentimento : “Senhor, não te incomoda que a minha irmã me deixe sozinha a fazer tudo? Diz-lhe que me ajude.”

O dever de sentar-se é, pelo contrário, o dom de um tempo para escutar as nossas necessidades mais íntimas, e também para exprimir a força de um amor que cresce apesar das dificuldades e da rotina, que de certa forma tornam tudo mais opaco. Fazer como Maria, pôr-se à escuta do outro, com simplicidade, porém com intensidade, e fazer crescer em nós um clima de ternura e cumplicidade conjugal que torna as nossas palavras mais verdadeiras, livres, acolhedoras, e vivificantes. A contemplação de Maria não é passividade, mas uma atitude de disponibilidade total: aqui estou só para te ouvir, para acolher as tuas fraquezas e dar-te também a conhecer os meus próprios limites, as minhas angústias, os meus medos e dificuldades. O nosso dever de sentar-se tornar-se-á assim uma descoberta um do outro, dentro dum clima de confiança, as palavras serão instrumentos para aprender a nos comunicarmos entre nós, para progredirmos em nossa afetividade, libertandonos de qualquer pretensão e permitindo-nos pertencer um ao outro no amor.


“Ao longo dos anos de vida em comum, a palavra tem tido um lugar predominante, horas e horas passadas a conversar, a trocar idéias, a refletir sobre o que nos acontece e sobre o que se passa à nossa volta, a exprimir sentimentos que acompanham uma época extraordinária...
 extraordinária do ponto de vista social, com tantas mudanças em andamento, extraordinária para a nossa experiência a mais íntima, porque dávamo-nos conta que ainda que muitas coisas não estivessem bem na nossa relação, essa relação crescia, e era precisamente a palavra, o diálogo que davam maior força àquilo que nascera como atração e sentimento.


Nos primeiros anos de casados, o estilo fora o mesmo: falar de tudo e sempre; sentíamos que seriamos culpados ao esconder qualquer coisa, ao calar para manter a paz e assim continuamos a dialogar sobre tudo
 o que nos atravessava o espírito e o coração, com clareza e por vezes com dureza Muitas vezes brigávamos, porque a franqueza levava facilmente a uma acusação recíproca devido a gestos feitos ou não feitos, palavras infelizes; continuamos, entretanto, obstinadamente, a tecer o fio do nosso diálogo de casal.
Ainda a propósito desses primeiros anos, lembramo-nos de que, muitas vezes, era a noite que nos oferecia o espaço para as palavras, palavras para explicar de novo uma atitude, analisar uma situação, aprofundar um assunto e também, redescobrir a doçura de um terno murmúrio, de um amor sempre oferecido e que se renova sem cessar. Depois apareceu a equipe, que não nos ensinou a falar, mas nos reconfortou e confirmou, primeiro com palavras e depois com gestos e pensamentos, que estávamos no caminho certo para não nos encontrarmos um dia longe um do outro... Uma frase de Santo Agostinho: “Não procuro a calma, mas a paz” foi a chave para compreender a nossa maneira confusa de falar: não procurávamos, no nosso casal, a tranqüilidade na vida quotidiana, mas a paz profunda, num espírito de harmonia que pudesse crescer cada vez mais.


Contudo, durante todos esses anos, houve também momentos menos edificantes, momentos de silêncio, um silêncio de fechamento e não de comunicação, que por vezes triunfou, ainda que por pouco tempo, quando pensávamos que falar seria inútil ou poderia nos ferir; a estratégia mais simples era então fechar-se em monólogos solitários... Os resultados de tal estratégia eram magros e geraram somente maior solidão.
 Então, pouco a pouco, aprendemos também a ferir-nos em palavras, mantendo-nos, porém, sempre juntos um do outro nessa circunstância imprevista e muito dolorosa.
Durante algum tempo enfrentamos os problemas com paixão, tudo parecia estar sob o império do impulso natural e de uma falsa concepção de sinceridade absoluta; hoje, porém, temos consciência de que se pode ser sincero sem ser agressivo, que se pode pedir sem reivindicar, que se pode escutar antes de falar. Agora é tudo mais fácil, mas talvez seja porque o de que hoje somos capazes resulta da implicação total de ontem, do fato de sempre termos colocado em primeiro plano o nosso casal e o nosso amor, mesmo nos momentosde maior compromisso no campo político e social.


Hoje é muito mais fácil para nós entrar no coração e no espírito um do outro: o dever de sentar-se tornou-se um modo de comunicação. Todas as barreiras erguidas por nosso orgulho, nossas pretensões, nosso desejo de afirmação, caem por terra quando sabemos que o nosso diálogo tem uma testemunha excepcional - Deus Pai, Cristo, amigo e irmão. As mesmas coisas que, em outras circunstâncias, seriam ocasião de reivindicação pessoal ou de acusação, revestem-se agora de mais equilíbrio e paz. Os problemas não desaparecem, estão
sempre presentes, os momentos de fadiga continuam e talvez mesmo a decepção por um gesto que nunca chegou, pelas preocupações que não se resolvem como por encanto, pelo filho que não estuda na escola... uma conta imprevista...uma mãe já idosa e exigente de que temos de cuidar... um amigo insistente que espera uma resposta.. e também por vezes o sentido da inutilidade de tudo o que fazemos, o sentimento da precariedade da vida que parece nos escapar, um nó na garganta tantas vezes sentido, porque faço, faço e no fim sinto-me sempre em falta em relação a alguma coisa ou a alguém... Tudo isso vem à tona quando te olho e falo, mas é estranho, porque não se trata de passar para ti todos os problemas, de me afastar de ti, mas de recolher energias da tua presença ao meu lado, é querer retomar o caminho contigo, é olhar-te com o mesmo olhar dos nossos vinte anos, quando não tínhamos medo de nada porque estávamos juntos. Dizer “estou aqui para ti” ou “para mim, faz sentido estar aqui, porque também estás aqui”, eis o que nos dá energia e desejo de continuar a enfrentar juntos o mundo.

O olhar silencioso de Deus sobre nós e sobre as nossas palavras consegue isso, lembra-nos de que a idade não importa: amo-te como se ainda tivesse vinte anos, com todo o entusiasmo, a confiança e a paixão de outrora.”

Um comentário:

LUCIANE BERNARDES disse...

Olá, como estão?
Recebi um selo de qualidade e está postado no meu blog, tenho que indicar outros blogs, indiquei o de vocês, é só ir na minha página e segue as instruções, bjks,
Lu