terça-feira, 1 de abril de 2025

Campanha da Fraternidade 2025 proporciona a vivência da profecia

 

Campanha da Fraternidade de 2025, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), traz um tema de grande relevância e impacto social para os tempos em que vivemos, com o tema: “Fraternidade e Ecologia Integral”, e o lema: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31)Leia Mais8 Campanhas da Fraternidade que trataram da temática da EcologiaComo a Ecologia Integral está presente na Palavra de Deus?

Em um contexto marcado pela crescente crise ambiental, pela exploração desenfreada dos recursos naturais e pelas desigualdades sociais, a Campanha propõe uma reflexão sobre a interconexão entre o cuidado com a casa comum e a promoção de uma fraternidade genuína, que respeite tanto as pessoas quanto o meio ambiente.

Para entender melhor o impacto do tema escolhido pela CNBB, conversamos com Eduardo Brasileiro, educador e sociólogo, que integra a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara.

Na entrevista, Eduardo nos ajudará a refletir sobre os desafios que a sociedade enfrenta, o papel da Igreja na construção de uma nova consciência ecológica e como podemos integrar a fraternidade com a urgência de cuidar do planeta, como tanto nos clama o Papa Francisco. Confira!

Qual é a importância da CF 2025 em trazer um tema sobre Ecologia Integral e a conscientização socioambiental?

A importância da Campanha da Fraternidade de 2025 abordar o tema da Ecologia Integral e da conscientização socioambiental está diretamente relacionada ao contexto atual de crise climática e de biodiversidade. A crise climática impacta profundamente diversos aspectos da vida, como o aumento de desastres naturais, secas, inundações, e elevação das temperaturas globais, enquanto a crise da biodiversidade compromete a extinção de espécies, a perda de ecossistemas e do equilíbrio natural, ameaçando a sobrevivência de todas as formas de vida no planeta.

A Campanha da Fraternidade tem um papel essencial para os cristãos: proporcionar a vivência da profecia. Quando a causa ecológica toca o coração e desperta uma inquietação, a profecia se transforma em missão e insere-se em um horizonte sociotransformador. Dessa forma, a missão da CF de 2025 está intrinsecamente ligada ao compromisso de reverter a trajetória de desenvolvimento humano, baseada em um modelo econômico predatório e na exploração desenfreada dos recursos naturais. Esse modelo, fundamentado no antropocentrismo, promove uma visão limitada que reduz elementos essenciais da natureza – como água, florestas e terra – a meros "recursos" disponíveis para consumo, acumulação e lucro.

DivulgaçãoDivulgaçãoEduardo Brasileiro integra a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara


Em 2025, a tarefa da Campanha da Fraternidade é informar, mas também despertar a sociedade para a gravidade da degradação socioambiental, e é importante que reconheçamos o social e o ambiental juntos, por isso o termo “socioambiental” se faz necessário, além de reforçar o compromisso coletivo da Igreja em ser guardiã da Casa Comum.

Isso ocorre por meio do fomento a experiências de espiritualidade ecológica (Ecoteologia), como ensina o papa Francisco na encíclica Laudato Si’, e promovendo iniciativas comunitárias que repensem a relação entre humanidade e natureza. A Ecologia Integral, nesse contexto, é apresentada como um projeto de proteção e cuidado com a vida, em todas as suas dimensões, evidenciando a urgência de transformar nossos valores e nossas práticas em prol de um futuro mais sustentável.

É curioso e notável que a humanidade tenha perdido a capacidade de sonhar, sobretudo sonhos coletivos. É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim deste modelo de sociedade que vivemos. Portanto o sonho ecológico do papa Francisco, na exortação Querida Amazônia, deve ser cultivado em comunidade e na fronteira de nossa vida.

A lógica do "antropocentrismo despótico" é praticada em nome do progresso e do desenvolvimento. De que forma esse discurso impacta a preservação ambiental e o cuidado com os povos originários? 

Acho que convém explicar que, quando se fala de “antropocentrismo despótico”, está se denunciando a visão de sociedade ocidental, que coloca o ser humano no centro absoluto de todas as coisas, atribuindo-lhe um papel de dominador ou controlador sobre a natureza e os demais seres vivos. Este modelo foi praticado em nome do progresso e do desenvolvimento, e tem impactado de maneira devastadora a preservação socioambiental.

É importante que, como nos pede o papa Francisco, compreendamos que “tudo está interligado”. Assim, onde há devastação ambiental, há morte de povos, contaminação de suas águas, precarização de suas vidas e extermínio sistemático de lideranças - como aconteceu com Chico Mendes, Ir. Dorothy Stang e milhares de defensores de direitos humanos assassinados.

Para compreender o aprofundamento da crise que envolve desde depredação, mortes e aumento de riquezas para poucos, é fundamental explorar dois conceitos que foram desenvolvidos na última década para entender o impacto geral desta crise socioambiental: o Antropoceno e o Capitaloceno. O Antropoceno refere-se a uma nova era geológica marcada pelo impacto humano sobre a Terra, como a poluição, o desmatamento e as mudanças climáticas. Ou seja, o impacto do ser humano está causando mudanças geológicas profundas na terra.

Já o Capitaloceno enfoca que não são os humanos em geral, mas uma parcela de humanos e seus interesses de lucro, acumulação e exploração, que subjuga toda a realidade dos povos. O capitalismo gera a exploração intensiva dos bens comuns, evidenciando como o lucro e a acumulação de capital têm sido os principais motores dessa destruição socioambiental.

ShutterstockShutterstockTragédia ambiental atingiu o estado do Rio Grande do Sul em 2024


O desenvolvimento tecnológico tem estado nas mãos dessas grandes corporações e hoje mostra uma inversão do ideal historicamente cultivado por nós. A ciência deveria produzir a tecnologia para os interesses comuns, contudo, em determinados setores, a tecnologia serve ao poder e, às vezes, produz uma anticiência.

Há muitos casos de tecnologias sustentáveis que não são sustentáveis, porque estão aplicadas aos interesses do capital, revelando o desvirtuamento do conhecimento em favor de lucros privados. O sociólogo Pierre Bourdieu, certa vez, em uma palestra para o setor de tecnologias, provocou-os: “Senhores do mundo, vocês têm domínio de seu domínio?” É tudo uma questão de poder: o poder que uma mineradora estabelece sobre as pessoas de uma comunidade local, o poder desses grupos no congresso nacional.

O Brasil reflete essa estrutura global de desigualdade. Os povos indígenas, no entanto, têm resistido bravamente e nos ensinado o que é inegociável na defesa da Casa Comum. Exemplos incluem a luta contra a exploração mineral ilegal, a resistência às invasões de terras protegidas e o protagonismo em debates sobre o reconhecimento de seus territórios.

A conversão ecológica é um convite para reverter a transformação da natureza em mero objeto de exploração. O que se busca é que a natureza deixe de ser vista como recurso e passe a ser reconhecida como sagrada, devendo ser tratada com cuidado e respeito.

ShutterstockShutterstockProtestos ao redor do planeta clamam por atenção à Casa Comum


A luta pela preservação ambiental e pelos direitos dos povos originários não é apenas uma questão ética, mas um imperativo para garantir a convergência das práticas do restante do ocidente e construir um caminho de sobrevivência socioambiental. Trata-se de abandonar a lógica predatória em favor de uma visão integradora, que reconheça a interdependência entre todos os seres vivos e o valor intrínseco da natureza.

De quais formas as comunidades eclesiais podem tomar consciência da responsabilidade em cuidar do meio ambiente e das pessoas mais vulneráveis? 

CNBBCNBBCartaz da Campanha da Fraternidade 2025

As comunidades de fé podem assumir a responsabilidade de cuidar do meio ambiente e das pessoas mais vulneráveis por meio de ações concretas que integrem a fé e a realidade. O primeiro passo é viver a Campanha da Fraternidade de forma autêntica e comprometida.

Uma sugestão seria que as comunidades criassem um espaço ou uma articulação dedicada aos leigos, ministros leigos e clero como "cuidadores da Casa Comum". Este seria um exemplo contundente de sinodalidade.

O segundo passo, mais exigente, é que se cultive uma visão crítica e aprofundada sobre a realidade ecológica. O grande desafio do pontificado de Francisco tem sido mostrar que a vivência cultual da fé deve estar intimamente conectada à realidade concreta, especialmente às questões socioambientais. Isso exige uma fé que não se limita ao culto, mas que se traduz em ações transformadoras.

Esse aspecto essencial é a conexão das comunidades e das Arquidioceses e/ou Dioceses com temas de participação cidadã, como o orçamento participativo. É vital que os cristãos se engajem ativamente na disputa por orçamentos municipais deliberativos que atendam aos desafios socioambientais.

Além disso, as comunidades poderiam desenvolver projetos educativos voltados à aprendizagem e ao fortalecimento da agroecologia, da economia popular solidária e de outras iniciativas que promovam trabalho e proteção ambiental. Exemplos incluem o incentivo à criação de parques eco-tecnológicos nos territórios para lidar com problemas como o lixo e a depredação ambiental. Esses projetos, alinhados à espiritualidade ecológica, podem transformar a vivência cristã em ações práticas de cuidado com a Casa Comum e com os mais vulneráveis, tornando a fé um instrumento de transformação sociambiental.

Como podemos transformar nossa visão individualista de consumo em uma atitude mais solidária e sustentável, em consonância com os princípios defendidos pelo papa Francisco em sua “economia profética”?

Precisamos despertar para a realidade: o Banco Mundial estima que haverá 216 milhões de refugiados climáticos até 2050, concentrados na África Subsaariana (86 milhões), Leste Asiático e Pacífico (49 milhões) e Sul da Ásia (40 milhões).

Além disso, prevê-se que entre 68 milhões e 135 milhões de pessoas poderão ser empurradas para a pobreza até 2030 como consequência direta do colapso climático. Estudos ainda indicam que as desigualdades econômicas entre países ricos e pobres já aumentaram em 25% desde 1990 devido às mudanças climáticas. O Fundo Monetário Internacional alerta que, se os piores cenários climáticos se concretizarem, os avanços na redução da desigualdade global, observados nas últimas décadas, poderão ser completamente revertidos.

No Brasil, vivemos sob a influência de práticas nocivas, como o lobby da indústria de alimentos ultraprocessados, que tenta interferir até mesmo nos materiais pedagógicos, para que a ciência pare de criticar do agronegócio, desconsiderando os impactos ambientais e sociais negativos do agronegócio e suas práticas destrutivas. Por isso que é necessário construir alianças com redes e movimentos que busquem a integrar sociedade e meio ambiente.

Sugiro aos que nos leem que acompanhem as iniciativas promovidas pela Articulação Nacional da Agroecologia, Fórum Brasileiro de Economia Solidária, União das Cooperativas de Agricultura Familiar, Rede Igrejas e Mineração, Observatório do Clima e outros organismos da sociedade organizada que denunciam as estruturas econômicas que perpetuam essas desigualdades e agressões ao meio ambiente.

ShutterstockShutterstockOnça pintada em meio ao cenário de destruição após queimadas no Pantanal


É fundamental compreender que ecologia e economia estão interligadas. Uma economia para a vida deve servir ao ecossistema, humano e não humano, atendendo às necessidades das comunidades e promovendo uma vida melhor para todos. O debate econômico precisa estar alinhado à transformação ecológica, indo além de mudanças importantes do consumo global, como o abandono de canudos e copos plásticos, para abordar a produção estrutural desse capital. A conversão ecológica precisa colocar o mapa dos interesses econômicos sob o mapa da vida dos ecossistemas, a fim de reduzir o impacto ambiental sobre os biomas e preservar a vida de milhões de pessoas.

Em 2022, durante o encontro da Economia de Francisco em Assis, o papa Francisco nos convocava a construir uma economia profética, comprometida com mudanças profundas na economia e na política, sem disfarces ou soluções cosméticas. Ele afirmou: “Não é suficiente maquiagem, é preciso questionar o modelo de desenvolvimento. A terra arde hoje, e é hoje que devemos mudar, a todos os níveis (...). Trata-se de um princípio ético, universal: os danos devem ser reparados. Se crescemos abusando do planeta e da atmosfera, hoje devemos também aprender a fazer sacrifícios nos estilos de vida ainda insustentáveis”.

Esse chamado nos inspira a sonhar coletivamente e a assumir um compromisso com mudanças reais em nossa sociedade. Seguir os princípios de uma economia profética é construir um futuro em que a solidariedade, a sustentabilidade e a justiça socioambiental sejam valores fundamentais. Juntos, podemos transformar a maneira como nos relacionamos com o consumo, com o meio ambiente e com os mais vulneráveis, atendendo ao apelo do papa Francisco para sermos protagonistas de um mundo melhor.

Fonte: Texto escrito originalmente para a revista "Focus Provincialis"

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