segunda-feira, 14 de março de 2011

O CASAL E O EVANGELHO DE CASA EM CASA

Carlo e Carla VOLPINI - Roma 2003


Introdução:


O tema deste dia diz respeito ao método, mas não nos é fácil falar do método de maneira abstrata, de expor uma série de compromissos de vida como se fossem regras ou normas, sem lhes atribuir uma nota familiar ou a fisionomia de nossa vida diária. O método não é algo de teórico a ser aprendido, mas sim um estilo de vida, pois, se permanece somente em nossas cabeças sem se transformar em gestos, palavras ou ações, embora continue válido, não faz parte de nós em profundidade.

Nossa conferência tratará pois do método como tema de fundo mas, para atingir esse objetivo, percorreremos alguns episódios de nossa vida pessoal e, apoiando-nos em narrações do Evangelho, faremos todos juntos um percurso talvez um pouco original, mas que nos pareceu belo e principalmente em harmonia com o nosso desejo de apresentar o método na simplicidade de quotidiano, pensamos que o local privilegiado onde se desenrola a nossa vida como pessoa e como casal é a nossa casa; é pois da casa que partiremos para essa curta viagem, transmitindo-lhes, em primeiro lugar, o que nós dois sentimos diante dessa palavra:

A casa, lugar de maturação, espaço interior, tempo que passa, vontade de permanecer em casa e de se fugir dela, vendaval de emoções…Que casa nos faz experimentar todos esses apelos interiores? Sem dúvida, aquela onde vivemos juntos como casal; ao dizer isto, damo-nos conta de ter morado em quatro casas diferentes desde o dia do nosso casamento, sem contudo pensarmos que uma seja mais significativa que outra. Talvez seja porque temos consciência de que a casa somos nós mesmos e a nossa própria história aí se desenrolou, ora entre essas paredes, ora entre outras.

É certo que a casa representa um lugar de crescimento, não tanto ou somente para todos aqueles que passaram por ela, trazendo consigo tanta riqueza, mas porque a casa, como o carro nos tempos de namoro e agora de viagens, foi o lugar onde mais conversamos, onde mais partilhamos entre nós e com os outros, onde pudemos repensar pela palavra e pela reflexão o que estávamos a ver, a ouvir, a viver “lá fora”. Sempre foi para nós uma alegria abrirmos aos outros a nossa casa, e sempre o fizemos, deliberadamente, e por prazer. A coisa mais bonita que ouvimos de várias pessoas em situações diversas foi: “em sua casa, sinto-me em casa”; e isso nos pareceu bonito porque significa não somente criar uma situação agradável ou fazer que as pessoas se sintam à vontade, mas criar um verdadeiro clima de partilha, que permite a cada um de nós ser profundamente verdadeiro - a necessidade mais premente no homem. Por outro lado, também não tivemos medo de ficar por vezes sozinhos em casa, apreciando a presença recíproca, para dialogar, comentar, traçar hipóteses e projetos diante de um simples café. Esse café, bebido juntos ao acordar, quando a casa está ainda adormecida, tudo está quieto e as palavras são apenas murmuradas para não acordar as crianças, tem um sabor especial: chamamos este momento de “teologia do café”, porque sentimos que alguns minutos ao iniciar um novo dia conferem à nossa vida conjugal uma intensidade particular e, por assim dizer, sentimos que o Senhor também está presente junto de nós para o café.

Talvez não seja por acaso que, apesar das responsabilidades quotidianas nos afastarem sempre e por muito tempo de casa, o nosso maior desejo quando temos um dia livre, não ir ao cinema ou passear juntos, mas sim permanecer em casa, se possível em silêncio ou falando baixinho, como se a intimidade das paredes, dos móveis e dos objetos familiares pudessem nos restabelecer de nossos cansaços, de nossas dúvidas.

Por vezes temos a tentação de partir, de sair, quando a casa se torna testemunha das nossas tensões e da nossa incapacidade de as ultrapassar, quando sentimos um clima pesado, a pedir um esforço para o qual não nos sentimos preparados, quando não mais sentimos a nossa casa como um lugar acolhedor e protetor, mas pelo contrário, cheio de ameaças e prenhe de futuras tempestades. Trata-se de uma fuga, mas também, de certa forma, do desejo de não trair o lar, introduzindo sentimentos negativos em tudo aquilo que ele nos permitiu viver de belo e de bom.

Com efeito, quando predominam os aspectos negativos, quando os limites de nossos temperamentos e de nossa fé nos impedem de progredir, sentimos a casa estranha, longínqua, como se não nos pertencesse mais e não mais fosse capaz de nos reconfortar. Mas o que, em verdade, se tornou estranho? A casa que permanece à nossa espera, carregada da experiência que lá vivemos, ou a nossa maneira de ser um em relação ao outro e ambos perante os filhos? Somos nós, que abandonamos o terreno e nos sentimos talvez ainda mais desamparados lá fora: é então preciso regressar, pois isso significa desejo de recomeçar.
A casa como espaço de cultura, pois a mobília, os objetos, os livros, os muitos livros que por vezes nos sufocam, submergidos que somos pelo papel, tudo isso é a nossa história e o nosso percurso intelectual, são marcos do caminho percorrido, das orientações tomadas, das experiências vividas, de uma maturação mais ou menos alcançada. Objetos que nos falam de um amigo, de um acontecimento, fotografias que nos recordam pessoas ou situações que reavivam em nós experiências vividas, folhetos e papéis que nos falam das nossas responsabilidades profissionais, do nosso trabalho, para nós mesmos e para os outros. E depois, revistas e jornais, mais papéis, que nos mostram realidades diferentes da nossa e sobre as quais queremos saber sempre mais, que desejamos partilhar, ainda que só em teoria, e ainda outras realidades para as quais, de forma diferente, trabalhamos numerosos numa sinergia de engajamentos para construir o Reino de Deus.

Tudo isto está presente em nossas casas, nos envolve, e sem que disso nos demos conta, sustenta o nosso trabalho de cada dia. E não é pois por acaso que a reunião de equipe é feita nas nossas casas; porque é algo que deve fazer parte da trama de nossa vida, do nosso quotidiano e da nossa história conjugal. Interrogamo-nos a seguir se toda esta riqueza afetiva, este mundo tão cheio de sentido para nós, podia ser partilhado com Cristo e descobrimos que Ele entrou em muitas casas durante a sua experiência humana e, em cada uma delas, deixou um sinal específico e também recebeu algo de particular, porque não se entra nem se sai de uma casa sem transformar-se um pouco.

Assim entraremos com Cristo nas casas que Ele visitou, as casas dos seus amigos, naquelas em que o esperavam ou noutras onde chegou inesperadamente como um hóspede imprevisto e por fim na sua casa de Nazaré, espaço da intimidade de sua família. Em cada uma destas casas encontraremos algo que nos levará a refletir sobre a forma pela qual o nosso “viver em casa” pode tornar-se um estilo de vida. O método a seguir não mais será uma simples tarefa a cumprir, mas poderá tornar-se uma maneira de ser.
 
A casa de Caná (Jo 2,1-8)

Em primeiro lugar, gostaríamos de visitar a casa de Caná, porque aí celebra-se uma festa de casamento da qual queremos participar, pois acreditamos poder partilhar a alegria desse amor, que se parece com o nosso. Os convidados eram muitos e João nos diz que: “a mãe de Jesus estava lá. Jesus também tinha sido convidado, assim como os seus discípulos”. Onde se celebra o amor, a alegria não pode estar ausente e os noivos de Caná nos representam, nós casais, na alegria do nosso amor. O matrimônio, porém, bem o sabemos, não é somente o dia das bodas; para se tornar um sinal sacramental, o matrimônio deve ser celebrado todos os dias, pois é somente deste modo que poderá ser renovado na alegria e ser fonte de alegria para aqueles que nos rodeiam. Quando um homem e uma mulher se amam e, acolhendo-se um ao outro nesse amor, juntos fazem desabrochar a sua humanidade, então transparece o rosto de Deus.

A casa de Caná é o lugar da amizade, lugar onde amar significa partilhar a alegria das coisas belas mas também das preocupações, grandes ou pequenas, que nos reserva o dia a dia. “Eles não têm vinho”. A amizade torna-se atenção ao outro, delicadeza e disponibilidade. Uma atenção, uma delicadeza, um gesto que não é banal, mas significativo, já que o vinho servido será o melhor, com qualidade, um vinho que não se esquece...

A reunião de equipe é o lugar onde todos os meses reencontramos a atmosfera da casa de Caná, o lugar onde os casais celebram o seu casamento num espírito de renovação do seu “sim”. Abrimos as nossas casas para as reuniões e elas se tornam o lugar de amizade onde a alegria e a dor são partilhadas na intensidade da coparticipação e onde se aprende a acolher o outro com toda a atenção, a atenção se torna escuta e a escuta desabrocha em gesto. “Jesus também foi convidado para as bodas, assim como os seus discípulos”. Nós também fomos convidados a fazer parte das Equipes de Nossa Senhora, um convite feito a nós por alguém e feito talvez por nós a outros. Maria estava atenta ao que se passava, Jesus pronto a fazer alguma coisa pelos noivos e os discípulos disponíveis para fazer o que Jesus lhes ordenasse, para tornarem-se servos. A nossa reunião de equipe torna-se a casa de Caná se a coparticipação for escuta atenta, pronta a tornar-se partilha, se for vivida num espírito de verdadeira amizade.

“Contar-lhes como entramos numa equipe é para nós agradável lembrança e, sobretudo, permite-nos ver com clareza que o Senhor escreve direito por linhas tortas…

Quando ingressamos numa equipe éramos muito jovens, com 22 e 24 anos, e dois meses de casamento, os acontecimentos de 1968 vividos intensamente. Estarmos assim reunidos por acaso, numa noite qualquer, numa casa desconhecida, com outros casais tão diferentes de nós, pela idade, posição na vida, interesses, tudo nos parecia uma brincadeira sem muito sentido e não algo de interessante e estimulante... Naquela altura, não pensávamos que todos esses casais, que são os mesmos ainda hoje, iriam ter uma importância tão grande nos nossos trinta e tantos anos de caminhada conjugal e em equipe. Olhávamos essas pessoas desconhecidas e perguntávamos no nosso íntimo o que poderíamos ter em comum com elas, a não ser a vaga idéia de uma experiência de fé a fazer em conjunto.

Hoje, após trinta e um anos passados juntos, estamos ainda aqui, eles e nós, e quando os olhamos um por um sentimos que fizeram sempre parte da nossa vida. O que nasceu durante todos estes anos? Depois de tanto tempo, o que nos leva a permanecer juntos? Partilhamos simplesmente a nossa vida, dia após dia, sem nos apercebermos; caminhamos juntos, partilhamos as nossas escolhas políticas e sociais, exprimimos as nossas angústias, manifestamos as nossas dúvidas, partilhamos as nossas alegrias, repartimos com eles o peso de nossas fadigas, colocamos nas suas mãos a nossa incapacidade de orar e por vezes comungamos com eles o nosso desejo de rogar ao Pai por algo importante.Dizemos muitas vezes, com sinceridade, que o que hoje somos de bom e de mau é resultado de numerosos pequenos contributos que provêm dos outros, dos outros com quem cruzamos.

A nossa vida como pessoas e como casal transformou-se, cresceu, modificou-se através das relações com os outros, mas a primeira partilha verdadeira foi com esses casais que nos pareciam desconhecidos e distantes de nossa vida, e são eles que, nas reuniões de equipe de cada mês, acompanharam e partilharam o nosso percurso durante mais de trinta anos. A coparticipação foi verdadeiramente o terreno onde construímos o nosso primeiro espaço de referência e também por vezes de conflito, mas sempre um lugar insubstituível de escuta e de partilha.”

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