“Agricultor virou garimpeiro do campo”
A escassez de água é um problema de falta de gerenciamento do recurso em todas as instâncias, na opinião do diretor do Instituto de Permacultura do Pampa (Ipep), João Rockett. “Quando falamos em faltar água, falamos em água potável. Usamos mal a água. Gastamos um copo de água para beber e gastamos três para lavar o copo usado”, exemplifica.
Entre os fatores envolvidos na questão da água, Rockett destaca a degradação do solo. Segundo ele, a escassa camada vegetal existente em função do mau uso do solo e dos desmatamentos leva ao desaparecimento da fauna e acaba com as águas das nascentes, trazendo perdas econômicas em todas as regiões. “É como se raspássemos todos os pêlos de uma pessoa. A água escorreria pelo corpo, não teria onde parar. O agricultor virou um garimpeiro do campo. Não estamos plantando, estamos garimpando o solo. Antes, com 60 dias de seca, o solo resistia. Hoje, não, porque o solo não é permeável”, explicou o diretor, lembrando que, atualmente, o Paraná tem apenas 5% de sua vegetação nativa e Minas Gerais, 3%.
Segundo Rockett, o efeito esponja do solo se perdeu e os aquíferos estão diminuindo no mundo inteiro. “Na China, o lençol freático já baixou quase 70 metros”, afirmou.
O diretor do Ipep diz que um exemplo positivo para mudar esse panorama é o projeto Caminhos das Águas, patrocinado pela Petrobras, desenvolvido pelo Instituto em parceria com a Fundação Avina, nas comunidades da região do Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
O trabalho consiste em orientar as famílias para desenvolver técnicas alternativas de produção agrícola, melhorar o aproveitamento da água, além de usar filtros biológicos para o esgoto. “Fizemos hortas nos quintais e cobrimos com palha para economizar e reter a água. Reutilizamos a água do chuveiro e da pia. Foi surpreendente a resposta num ambiente que chega a ficar 60 meses sem chuva”, relatou.
Reflexos do aquecimento global
As mudanças climáticas terão impacto direto nos sistemas hídricos do planeta, seja pela falta ou pelo excesso de água e esse processo já começou, alerta a a organização não-governamental Fundo Mundial para a Natureza, conhecida como WWF (World Wide Fund For Nature).
O coordenador do programa Água para a Vida da WWF-Brasil, Samuel Barreto, afirma que fenômenos recentes como a passagem do furacão Katrina, pelos Estados Unidos, em 2005, e as inundações deste ano no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, são consequências das mudanças climáticas.
Para chamar a atenção sobre o assunto, a entidade promoveu no sábado 26, às 20h30, o ato Hora do Planeta. O objetivo era mobilizar mais de um bilhão de pessoas em mil cidades no mundo a apagar as luzes para simbolizar a preocupação com os efeitos do aquecimento global - houve adesões em mais de 130 países.
“Precisamos saber o que está acontecendo regionalmente. Os relatórios de mudanças climáticas mostram que haverá uma desertificação da parte oriental da Amazônia e uma ampliação da região do semiárido”, argumenta Barreto. Ele alerta para a necessidade de governos, iniciativa privada e sociedade prepararem-se para os riscos, vulnerabilidades e impactos da destruição dos sistemas naturais. De acordo com sua avaliação, nas áreas urbanas a falta de tratamento de esgoto compromete a qualidade das águas, e no meio rural o desmatamento prejudica a capacidade de recarga do ciclo hídrico, conduzindo à escassez. “O mau uso dos recursos hídricos leva à escassez, o que pode gerar conflito entre as populações”, ressaltou.
O biólogo também apontou avanços na conscientização da população. De acordo com ele, uma pesquisa realizada pelo Ibope em 2008, a pedido da WWF, mostra que 90% da população acredita que o Brasil terá problemas com a água no futuro e vê como principais causas para isso o desperdício (47%) e o desmatamento (22%). Para o representante da entidade, as mudanças de comportamento que podem alterar esse cenário devem começar dentro de casa. “Reduza de um a dois minutos o tempo de banho e economizará de três a seis litros de água. Ao multiplicarmos este volume pelo número de habitantes de uma cidade percebemos que ações individuais podem trazer impactos positivos”, destacou Barreto.
Vantagem do uso racional
O uso racional da água nos processos de produção pode dar vantagem competitiva para o Brasil, na avaliação de Arjen Hoekstra, professor da universidade holandesa de Twente e criador do conceito de pegada hídrica. Para Arjen, o país deverá atrair a atenção internacional por ser grande exportador de itens que precisam de muita água para serem elaborados, como as commodities agrícolas. Para produzir a soja exportada para o Reino Unido são consumidos 1,43 milhão de metros cúbicos de água/ano.
Agricultura lidera consumo
Atualmente, cerca de 3.600 quilômetros cúbicos de água doce são utilizados para uso humano - o equivalente a 580 metros cúbicos per capita por ano. Em todas as regiões, exceto na Europa e América do Norte, é na agricultura que se usa maior quantidade de água, responsável no mundo todo por aproximadamente 69% de todo o gasto - em determinadas regiões, o percentual sobe para 75%. A utilização para fins domésticos representa apenas 10% e a indústria consome 21% da toda a água retirada.
Benefícios das cisternas
O Brasil já adota providência simples e de baixo custo: a cisterna, que capta água da chuva. Foram construídas 480 mil no Semiárido, Nordeste, beneficiando 2,4 milhões de pessoas. O programa do governo federal, com apoio de mil entidades civis, previa um milhão de cisternas para o consumo humano - como a da foto, no interior da Bahia. Começou com a “primeira água” ou “água de beber”, para consumo humano. Depois veio a “segunda água” ou “água de comer”, em que a água da chuva é usada para a produção familiar de alimentos. Em 2009, as ações se ampliaram para atender escolas da zona rural - a chamada “água de educar”.
FONTE: CORREIO RIOGRANDENSE
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