sexta-feira, 20 de abril de 2012

O pensamento do asfalto


Publicado por João Pedro Wapler em Destaque, Literatura





Foto: João Pedro Wapler





Vão reformular as ruas da minha cidade. A cidade quer asfalto. Como acomodar na paisagem tantos automotores? Vamos derrubar a floresta e jogar concreto nela. Assim tudo fica mais fácil – lembro da história do menino que ganhou de aniversário mais presentes do que deveria e mal conseguiu acomodá-los em seu baú de brinquedos. Não há mais lugar no perímetro urbano para nossa parafernália consumista e o trânsito parece um formigueiro tecnológico de carros descartáveis. Vamos cavar buracos e abrir vias para a passagem de nossos “brinquedinhos” de gente grande!



O fato é que desde a década de cinquenta importamos dos nossos ídolos norte-americanos o culto ao carro e aprendemos a rechear nossas avenidas com fumaça, gasolina e rodas. Forjamos uma nova religião sincrética e criamos nossos templos: postos de gasolina, autódromos e oficinas engraxadas. O veículo estacionado numa vaga tornou-se símbolo de status quo, quase um passaporte para a vida adulta em sociedade. Mantemos esse caso apaixonado com as quatro rodas até hoje, e ele só tem se intensificado.



Desacostumamo-nos a andar com outras pessoas sentadas em volta de nós. Extinguimos os bondes e produzimos uma frota de veículos coletivos capengas (só para as as pessoas não quererem andar neles). Quem gosta de andar de ônibus? Nosso estilo hiper-individualista e colonizado de ser solapou qualquer noção prévia de cidadania ou de senso comum. Encapsulamos o corpo em caixas refrigeradas e buzinamos para quem está atravancando nosso caminho. Parecemos crianças mimadas perdidas numa selva de pedra. Sem dúvida alguma o trânsito de uma cidade é o reflexo perfeito de seu (sub)desenvolvimento.



Numa cidade como essa, colocamos o desenvolvimentismo econômico, atrapalhado e faraônico, na frente do desenvolvimento propriamente intelectual. Sempre optamos pelas estradas ao invés das escolas. Estamos dentro de uma país que está dentre as maiores economias do mundo e com um dos povos mais ignorantes do globo terrestre. É o paradoxo estereotipado da sociedade de consumo: ter e não ser.



Cidades mais humanamente evoluídas não tem somente maior número de leitores. Elas têm também habitantes com uma noção maior do que é (con)viver em grupo e dividir um espaço em comum com outros seres da mesma espécie. Elas são focadas no indivíduo em coletivo e não em máquinas que soltam gás. Têm sistemas de transporte organizados que possibilitam as pessoas de escolher entre a locomoção coletiva e a individual com tranquilidade. Um carro e uma bicicleta não competem no trânsito por espaço e andar de metrô é até mais confortável do que ligar a ignição de uma caminhonete coreana.



Estamos ainda bem longe de atingir tal consciência cidadã. Convivemos na pré-história, num terceiro mundo ainda desajustado e inconsciente, protegido por uma couraça de emergência econômica que nos dá uma falsa impressão de avanço. Enquanto não acreditarmos no potencial libertador do conhecimento ainda estaremos engatinhando num mundo de fumaça, asfalto e consumo. É imprescindível educar as pessoas para pensar e não para consumir. Mais livros e menos entulho industrial. Mais palavras e menos fumaça.


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