quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Aprenda a dizer não


Ter firmeza de atitude e saber negar é uma arte que pode transformar sua vida. Descubra por que é legal não ser legal o tempo inteiro

Por Liane Alves
Ilustração praia
Fuinha era um moço bonzinho – os nomes dos boas-praças quase sempre passam para o diminutivo. Ele poderia ser descrito como um amor de pessoa. Dava carona para quem precisasse, agüentava as brincadeiras dos jornalistas veteranos, aceitava fazer as piores matérias sem reclamar e envergonhava-se calado diante da gozação geral em cima do seu apelido. Um dia, Fuinha foi tomado por um acesso de raiva em plena redação. Roxo como uma beterraba, meteu o pé na mesa do redator-chefe e começou a gritar com todo mundo: “Não quero que me chamem mais de Fuinha! Eu tenho nome e sobrenome. Não sou uma coisa que pode ser chutada de lá para cá. Chega, cheeeega!” Enquanto esbravejava, arremessava no chão revistas e jornais que estavam em cima das mesas. Um espetáculo. Todo mundo o olhava de boca aberta como um maluco em potencial. Menos eu. Já tinha tido reação semelhante em um hospital público depois de ir quatro vezes lá para marcar um exame. Era a fúria diante do desrespeito contínuo. E também pela própria incapacidade de recusar uma situação espinhosa desde o princípio e de ter dito não no momento justo e preciso.


É bem provável que você já tenha visto o Fuinha na televisão. Mas hoje ele só atende por seu extenso nome completo e é um dos melhores repórteres da TV – poucas pessoas sabem que ele já teve um apelido tão bobo. O que essa história mostra é que todo bonzinho tem seu dia de basta. Seu dia de não, não quero, não, não gosto, não, não suporto mais ser “legal”. Mas o ideal é que a situação não chegue a esse ponto crítico e que, pouco a pouco, o ato de se negar tome seu lugar necessário na vida. Só resta saber como.

O medo da rejeição é crucial na vida e está sempre a nos rondar, como um fantasma
Todo mundo tem medo de dizer não. Mas algumas pessoas têm mais medo que as outras. Principalmente as que apostam as fichas num mundo mais gentil, em formas mais conciliadoras e pacíficas no caso de disputas. Para essas pessoas, o não parece conter uma agressividade intolerável, uma palavra que aponta para um caminho sem volta em direção ao confronto. No geral, elas têm pouca habilidade para respostas rápidas ou facilidade em sustentar posições contra o fogo cerrado de um inimigo mais dinâmico. Então, para elas fica mais fácil morrer por dentro e dizer sim.

Mas por que será que temos tanto medo do conflito que pode ser causado pelo não? A psicóloga paulista Corinna Shabbel fez mestrado e doutorado para responder a essa pergunta. Sua especialidade é ser mediadora de conflitos diante da diferença de opiniões. No fundo, seu trabalho é administrar com razoável sucesso o não de cada um. Dá cursos e palestras sobre o assunto e instrumentaliza pessoas físicas e funcionários de empresas para enfrentar e superar suas dificuldades.

E a primeira declaração de Corinna é preciosa: quase todas as pessoas que estão prestes a dizer não fantasiam uma série de reações negativas por parte do outro. Isto é, a pessoa teme que ele fique bravo, agressivo ou, então, magoado, triste e ofendido. “Esse olhar negativo sobre as conseqüências do não tira a força e o peso da recusa. Esses fantasmas geralmente não passam da mais pura imaginação. Se a gente diz um não limpo, coerente com nossos sentimentos, e o dizemos com clareza, é bem provável que o outro acate sem conflitos ou ofensas”, diz. A psicóloga aconselha, portanto, a refletir bastante sobre nossos fantasmas e fantasias, conhecê-los de perto e tentar identificar quando eles estão se aproximando para turvar a realidade.

Pois o medo da rejeição é crucial e está sempre a nos rondar, como um fantasma. Claro, imaginamos perder o outro por causa de uma negação. “Isso acontece porque não conseguimos fazer as pazes com o não, fortalecê-lo, saber que ele é necessário na vida e que sem ele não se pode viver. Para nós, ele não é natural – por isso o medo superdimensionado do efeito que ele pode causar no outro”, diz Corinna Shabbel.

O fantasma da gerente administrativa Irene Matsunaga era o peso ancestral de toda uma cultura, a japonesa, que dá especial ênfase ao obedecer sem questionar. “Meus pais sempre me ensinaram a dizer sim. Como um cachorrinho, ganhava uma prêmio toda vez que acontecia isso: um passeio, um docinho, um agrado.” Irene era cada vez mais amada e aprovada em face de sua aceitação e submissão. “Quando comecei a trabalhar, vi que tinha medo de perder a aprovação dos outros diante do meu não. E no ambiente profissional você precisa se impor, dar limites. A educação que tive ainda me acompanha, mas fui aprendendo que nem sempre a negação inclui uma total desaprovação por parte do outro, um rompimento.” Viu que as pessoas podem não gostar muito de ouvir uma negação, mas que depois aceitam – e tudo bem. Principalmente, é claro, se ela tiver razão.
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