sábado, 20 de maio de 2023

 


Resumo: Evangelii Gaudium

O Papa Francisco inicia sua exortação Apostólica da seguinte forma: “A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria.” Logo de início podemos perceber que a exortação busca fazer uma explanação sobre a expressão “alegria”.

Mas a frente Francisco traz um contexto do antigo testamento onde ele diz: “Zacarias, vendo o dia do Senhor, convida a vitoriar o Rei que chega ‘humilde, montado num jumento’: ‘Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti. Ele é justo e vitorioso’ (9, 9). Mas o convite mais tocante talvez seja o do profeta Sofonias, que nos mostra o próprio Deus como um centro irradiante de festa e de alegria, que quer comunicar ao seu povo este júbilo salvífico. Enche-me de vida reler este texto: ‘O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa’ (Sf. 3,17)”.

O Evangelho, onde resplandece gloriosa a Cruz de Cristo, convida insistentemente à alegria. O próprio Jesus “estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo” (Lc 10, 21). A sua mensagem é fonte de alegria: “Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15, 11). Porque não havemos de entrar, também nós, nesta torrente de alegria?

Jesus é “o primeiro e o maior evangelizador”. Em qualquer forma de evangelização, o primado é sempre de Deus, que quis chamar-nos para cooperar com Ele e impelir-nos com a força do seu Espírito. Jesus deixa-nos a Eucaristia como memória quotidiana da Igreja, que nos introduz cada vez mais na Páscoa (cf. Lc 22, 19). A alegria evangelizadora refulge sempre sobre o horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos de pedir. A memória faz-nos presente, juntamente com Jesus, uma verdadeira “nuvem de testemunhas” (Heb12, 1)

“Os temas relacionados com a evangelização no mundo atual, que se poderiam desenvolver aqui, são inumeráveis”. Francisco renunciou a tratar detalhadamente esta multiplicidade de questões que devem ser objeto de estudo e aprofundamento cuidadoso. Ele escolhe dentre tantos temas em se deter amplamente sobre as seguintes questões:

a) A reforma da Igreja em saída missionária.

b) As tentações dos agentes pastorais.

c)  A Igreja vista como a totalidade do povo de Deus que evangeliza.

d) A homilia e a sua preparação.

e)  A inclusão social dos pobres.

f)  A paz e o diálogo social.

g)  As motivações espirituais para o compromisso missionário.

No primeiro capítulo da exortação Francisco trabalha a necessidade de uma transformação missionária da Igreja, de uma Igreja em saída. “Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 37)”.

Já no segundo capítulo o Francisco aborda o tema “na crise do compromisso comunitário”. Pois, a humanidade vive, neste momento, uma viragem histórica, que podemos constatar nos progressos que se verificam em vários campos. São louváveis os sucessos que contribuem para o bem-estar das pessoas, por exemplo, no âmbito da saúde, da educação e da comunicação.

O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do “descartável”, que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são “explorados”, mas resíduos, “sobras”.

A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos.

Na cultura dominante, ocupa o primeiro lugar aquilo que é exterior, imediato, visível, rápido, superficial, provisório. O real cede o lugar à aparência. A fé católica de muitos povos encontra-se hoje perante o desafio da proliferação de novos movimentos religiosos, alguns tendentes ao fundamentalismo e outros que parecem propor uma espiritualidade sem Deus.

A família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as comunidades e vínculos sociais. No caso da família, a fragilidade dos vínculos reveste-se de especial gravidade, porque se trata da célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos seus filhos. O matrimónio tende a ser visto como mera forma de gratificação afetiva, que se pode constituir de qualquer maneira e modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um.

Na cidade, o elemento religioso é mediado por diferentes estilos de vida, por costumes ligados a um sentido do tempo, do território e das relações que difere do estilo das populações rurais. Na vida quotidiana, muitas vezes os citadinos lutam para sobreviver e, nesta luta, esconde-se um sentido profundo da existência que habitualmente comporta também um profundo sentido religioso.

No capitulo três o Papa fala sobre o anuncio do Evangelho. A evangelização é dever da Igreja. Este sujeito da evangelização, porém, é mais do que uma instituição orgânica e hierárquica; é, antes de tudo, um povo que peregrina para Deus. A salvação, que Deus nos oferece, é obra da sua misericórdia. Não há ação humana, por melhor que seja, que nos faça merecer tão grande dom.

Ser Igreja significa ser povo de Deus, de acordo com o grande projeto de amor do Pai. Isto implica ser o fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer anunciar e levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido, necessitado de ter respostas que encorajem, deem esperança e novo vigor para o caminho. A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho.

Todos somo discípulos e missionários. Em todos os batizados, desde o primeiro ao último, atua a força santificadora do Espírito que impele a evangelizar. O povo de Deus é santo em virtude desta unção, que o torna infalível “in credendo”, ou seja, ao crer, não pode enganar-se, ainda que não encontre palavras para explicar a sua fé. O Espírito guia-o na verdade e condu-lo à salvação.

Hoje que a Igreja deseja viver uma profunda renovação missionária, há uma forma de pregação que nos compete a todos como tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas com quem se encontra, tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos.

O anúncio às culturas implica também um anúncio às culturas profissionais, científicas e académicas. Quando algumas categorias da razão e das ciências são acolhidas no anúncio da mensagem, tais categorias tornam-se instrumentos de evangelização; é a água transformada em vinho. É aquilo que, uma vez assumido, não só é redimido, mas torna-se instrumento do Espírito para iluminar e renovar o mundo.

A homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo. De facto, sabemos que os fiéis lhe dão muita importância; e, muitas vezes, tanto eles como os próprios ministros ordenados sofrem: uns a ouvir e os outros a pregar. É triste que assim seja. A homilia pode ser, realmente, uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento. A homilia não pode ser um espetáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração. É um gênero peculiar, já que se trata de uma pregação no quadro duma celebração litúrgica; por conseguinte, deve ser breve e evitar que se pareça com uma conferência ou uma lição.

A preparação da pregação é uma tarefa tão importante que convém dedicar-lhe um tempo longo de estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral. Com muita amizade, quero deter-me a propor um itinerário de preparação da homilia. Trata-se de indicações que, para alguns, poderão parecer óbvias, mas considero oportuno sugeri-las para recordar a necessidade de dedicar um tempo privilegiado a este precioso ministério.

O pregador “deve ser o primeiro a desenvolver uma grande familiaridade pessoal com a Palavra de Deus: não lhe basta conhecer o aspecto linguístico ou exegético, sem dúvida necessário; precisa de se abeirar da Palavra com o coração dócil e orante, a fim de que ela penetre a fundo nos seus pensamentos e sentimentos e gere nele uma nova mentalidade”.

Alguns acreditam que podem ser bons pregadores por saber o que devem dizer, mas descuidam o como, a forma concreta de desenvolver uma pregação. Zangam-se quando os outros não os ouvem ou não os apreciam, mas talvez não se tenham empenhado por encontrar a forma adequada de apresentar a mensagem. Lembremo-nos de que “a evidente importância do conteúdo da evangelização não deve esconder a importância dos métodos e dos meios da mesma evangelização”. A preocupação com a forma de pregar também é uma atitude profundamente espiritual. É responder ao amor de Deus, entregando-nos com todas as nossas capacidades e criatividade à missão que Ele nos confia; mas também é um exímio exercício de amor ao próximo, porque não queremos oferecer aos outros algo de má qualidade. Na Bíblia, por exemplo, aparece a recomendação para se preparar a pregação de modo a garantir uma apropriada extensão: “Sê conciso no teu falar: muitas coisas em poucas palavras”.

O querigma possui um conteúdo inevitavelmente social: no próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros. O conteúdo do primeiro anúncio tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade.

A partir do coração do Evangelho, reconhecemos a conexão íntima que existe entre evangelização e promoção humana, que se deve necessariamente exprimir e desenvolver em toda a ação evangelizadora. A aceitação do primeiro anúncio, que convida a deixar-se amar por Deus e a amá-Lo com o amor que Ele mesmo nos comunica, provoca na vida da pessoa e nas suas ações uma primeira e fundamental reação: desejar, procurar e ter a peito o bem dos outros.

Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo. Basta percorrer as Escrituras, para descobrir como o Pai bom quer ouvir o clamor dos pobres: «Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egito, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspetores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de os libertar (…). E agora, vai; Eu te envio…» (Ex 3, 7-8.10).

A solidariedade é uma reação espontânea de quem reconhece a função social da propriedade e o destino universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada. A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e aumentá-los de modo a servirem melhor o bem comum, pelo que a solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde.

No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres, tanto que até Ele mesmo “Se fez pobre” (2 Cor 8, 9). Todo o caminho da nossa redenção está assinalado pelos pobres. Esta salvação veio a nós, através do «sim» duma jovem humilde, duma pequena povoação perdida na periferia dum grande império. O Salvador nasceu num presépio, entre animais, como sucedia com os filhos dos mais pobres; foi apresentado no Templo, juntamente com dois pombinhos, a oferta de quem não podia permitir-se pagar um cordeiro (cf. Lc 2, 24; Lv 5, 7); cresceu num lar de simples trabalhadores, e trabalhou com suas mãos para ganhar o pão.

A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não pode esperar; e não apenas por uma exigência pragmática de obter resultados e ordenar a sociedade, mas também para a curar duma mazela que a torna frágil e indigna e que só poderá levá-la a novas crises. Os planos de assistência, que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas provisórias.

A evangelização implica também um caminho de diálogo. Neste momento, existem sobretudo três campos de diálogo onde a Igreja deve estar presente, cumprindo um serviço a favor do pleno desenvolvimento do ser humano e procurando o bem comum: o diálogo com os Estados, com a sociedade – que inclui o diálogo com as culturas e as ciências – e com os outros crentes que não fazem parte da Igreja Católica. Em todos os casos, “a Igreja fala a partir da luz que a fé lhe dá”, oferece a sua experiência de dois mil anos e conserva sempre na memória as vidas e sofrimentos dos seres humanos.

O diálogo entre ciência e fé também faz parte da ação evangelizadora que favorece a paz. O cientificismo e o positivismo recusam-se a “admitir, como válidas, formas de conhecimento distintas daquelas que são próprias das ciências positivas”. A Igreja propõe outro caminho, que exige uma síntese entre um uso responsável das metodologias próprias das ciências empíricas e os outros saberes como a filosofia, a teologia, e a própria fé que eleva o ser humano até ao mistério que transcende a natureza e a inteligência humana.

Sob esta luz, o ecumenismo é uma contribuição para a unidade da família humana. A presença no Sínodo do Patriarca de Constantinopla, Sua Santidade Bartolomeu I, e do Arcebispo de Cantuária, Sua Graça Rowan Douglas Williams, foi um verdadeiro dom de Deus e um precioso testemunho cristão.

No quinto capítulo o Papa diz: “Limitar-me-ei simplesmente a propor algumas reflexões acerca do espírito da nova evangelização.” No coração dessa atitude missionária tem que estar o Espírito Santo. Evangelizadores com Espírito são os evangelizadores que se abrem sem temor à ação do Espírito Santo, são pessoas que rezam e trabalham. A primeira motivação para esse renovado espírito é o encontro com o amor de Jesus que nos salvou e, junto com isso, a convicção de que o Evangelho responde as necessidades mais profundas das pessoas, que são: A amizade com Jesus e o amor fraterno.

Somos convidados ainda a confiar no poder do Ressuscitado, sabendo que nossa entrega é necessária ainda que não vejamos todos os frutos dela. Por último, o Papa recorda que Jesus, na cruz, nos entregou sua Mãe, Maria, como nossa mãe. Ele não quer que caminhemos sem uma mãe, quer que aprendamos dela como evangelizar.

Com uma oração elevada a Maria, termina o Santo Padre sua exortação. É uma oração muito bonita, deixo um trecho que me pareceu particularmente interessante:

Podemos concluir que a vontade do Santo Padre é que o Evangelho seja anunciado, com a alegria que Ele proporciona e com todas as suas consequências sociais, a todo o mundo.

 

Padre Leandro Couto

Comunidade Canção Nova


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