segunda-feira, 28 de março de 2011

A CASA DE NAZARÉ - VOLPINI - ROMA 2003

A casa de Nazaré (Lc 1,26-38; Mt 1,18-25)

Deixamos para o fim a casa de Nazaré, talvez por ser essa aquela em que iremos entrar com mais ansiedade. José vivia em Nazaré, Maria vivia em Nazaré: eram noivos, viviam na esperança de realizar o seu amor. Um acontecimento extraordinário, contudo, muda a sua vida: o anúncio do anjo transtorna todos os seus planos. É a condição quotidiana e comum a todos os homens de todos os tempos aprender com dificuldade a ter a humildade de se deixar guiar por Deus, continuando a manter vivo e aberto o seu projeto como pessoa, casal e família. Não se trata de ter uma atitude de fechamento diante dos projetos, porque então recusaríamos a vida; não é preciso assumir uma atitude de renúncia e passividade que impediria Deus de se tornar uma realidade presente em cada instante da história. É necessário avançar levando no coração esta confiança: os meus projetos, os nossos projetos, têm o seu lugar no pensamento e no coração de Deus, o infinito que contém e ultrapassa os limites da nossa compreensão, sentido, racionalidade e potência.

A equipe nos ensina o sentido da oração enquanto verdadeiro abandono nos braços do Pai: a Ele confiamos as nossas esperanças, a Ele entregamos as nossas dores e inquietudes, com ele conseguimos olhar para futuro, mesmo que a cansaço de cada dia nos faça baixar o olhar e nos torne incapazes de elevá-los a horizontes mais largos e luminosos. A oração à qual a equipe nos chama com força é o esforço para fazer da Palavra de Deus a nossa constante referência: tomamos assim consciência de que o leme que nos pode guiar e oferecer segurança é a Palavra de Deus na nossa vida, como pessoa, casal, irmão entre os irmãos. José fica incrédulo e duvida; ele estava pronto a viver serenamente a sua aventura conjugal com Maria, fazia projetos e de uma hora para outra tudo mudou e os pensamentos mais disparatados atravessam-lhe o espírito e o coração.
Contudo, ele é convidado a “não temer” e foi nessa confiança que ele retomou o caminho, se bem que desta vez de forma diferente daquela que tinha imaginado e projetado. Maria sonha com o seu tão próximo papel de esposa, ela está apaixonada e convencida do amor de José; dar-lhe-á filhos, que serão testemunhos do seu amor. Um anúncio inacreditável transtorna os seus sonhos: ela terá um filho por graça do Espírito Santo e este será o Filho de Deus. A partir desse dia a vida de ambos passa a estar envolvida no maior mistério: o mistério de Deus a arrebata. Para José e Maria a única possibilidade de não se desorientarem e ficarem profundamente perturbados é encontrar luz, conforto, segurança e confiança na Palavra do Senhor, simplesmente orando a Deus para que Ele guie os seus passos, que os ampare na sua caminhada e trace para eles um novo percurso de vida. Orar não é somente repetir as mesmas fórmulas, antigas ou novas, não é somente “fazer algo” em nome de Deus, orar é dizer: “Senhor, estou aqui, estamos aqui, procuramos-Te, queremos-Te como companheiro e guia para a nossa viagem, irmão e amigo na partilha de cada dia, mestre diante das perturbações e limites da nossa compreensão”

“Ao longo dos anos a oração acompanhou-nos de forma diferente, orar é como o tempo que passa, a vida que se desenrola, é ter a certeza de que Deus está ao nosso lado, mesmo que isso não tenhamos perfeita consciência. Os diferentes períodos que vivemos, as muitas fases de entusiasmo, de raiva, de amor, de planos, de dor e de tomada de consciência, de espera e de esperança, de decepção e de entusiasmo, de fracassos e sucessos, de cansaço e transbordamento de energia...todos essas fases estão presentes na nossa oração quotidiana e tornaram-se como a sua respiração - uma oração por vezes silenciosa, até mesmo árida, ou então bem alegre na ação de graças, por vezes balbuciante e incapaz de traduzir em palavras a abundância dos sentimentos.
A oração, um olhar voltado para Deus, enquanto olhamos o futuro sempre com maior incerteza, talvez seja a verdadeira maturidade: tomar consciência de que nenhum ou quase nenhum dos nossos projetos ou programas está destinado a se realizar, saber que pequenos acontecimentos mudam de maneira determinante o curso da vida, saber que só muito dificilmente se consegue dominar os sentimentos, ter consciência da nossa pequenez na imensidade do universo. Apesar de tudo é preciso continuar a tecer a trama da vida conjugal, familiar e social, assentando por vezes uma pedra, mas na maioria das vezes colhendo a cada dia uma graminha, porque é somente ao juntar novas graminhas que impediremos o vento de tudo derrubar.

 Uma oração vivida em casa mais do que na Igreja, porque é em casa que conversamos, que orientamos o nosso caminhar à luz da Palavra que se torna verbo encarnado no quotidiano, é em casa que a história se faz através das diferentes formas possíveis de comunicação e traz interrogações que implicam julgamentos e tomadas de posição; em casa entram também os outros, presença de Deus entre nós, todos eles portadores de um pouco de Cristo. Poderíamos imaginar oração mais viva que a feita em casa, lugar onde a vida se constrói a cada dia?”

Visitamos com Cristo diversas casas, procurando nelas respostas às nossas interrogações, querendo encontrar em cada uma delas um aspecto da reunião de equipe, para que esta não veja vivida como algo fora de nossa vida quotidiana, priorizando sempre o nosso empenho e o da equipe na construção de uma realidade conjugal que responda às exigências de uma escolha sacramental desejada, querida e constantemente renovada.

As casas que visitamos, a casa onde vivemos, a reunião de equipe que lá se realiza, o método proposto como instrumento de maturação, nenhum desses elementos é um fim em si, mas cada um contribui para realizar a vocação à qual somos chamados: viver a nossa fé dentro da realidade do mundo de hoje e dos acontecimentos quotidianos, convictos da ajuda do Pai, maravilhados com os dons d’Ele recebidos e desejosos de nunca ceder à fadiga do dia a dia, mas de rejuvenescer cada vez mais o nosso amor, no qual acreditamos ao ponto de nele empenhar a vida de um e do outro, alimentando-o com o amor e a Palavra do Pai.

“Maravilhamo-nos, hoje como ontem, da harmonia entre nós. Olhávamo-nos então e admirávamo-nos que fosse possível que sendo tão diferentes sentíssemos tal atração um pelo outro. Hoje a harmonia está nos nossos olhares que se cruzam. É aí que está presente e viva toda a nossa história: na firme vontade de nos amarmos, nas batalhas sociais pela conquista dos nossos ideais, na dor aguda provocada por tudo aquilo a que tivemos de renunciar, na incredulidade diante dos numerosos e inesperados dons recebidos, na alegria de ter realizado o sonho de uma casa aberta à amizade, no empenho comum por uma maior solidariedade, nas nossas discussões em defesa dos nossos “eu” e o esforço continuo na procura do “nós”, nos nossos mutismos cheios de ressentimento e nos nossos impulsos de amor, na tomada de consciência do que ambos construímos juntos e no desejo sempre vivo de continuar a caminhar juntos pela estrada da vida”.

Conclusão:



Queridos irmãos e irmãs equipistas, se estamos entre vocês e com vocês há mais de trinta anos, não podemos esquecer que tudo isso está radicalmente ligado ao Padre Caffarel, a quem dirigimos hoje o nosso pensamento profundamente agradecido; e é com as suas palavras que queremos concluir o nosso testemunho. Elas foram pronunciadas na conferência que fez em São Paulo, no Brasil, aos casais responsáveis de equipe, palavras essas que guardam hoje toda a sua atualidade: “Notem bem o que diz Nosso Senhor. Ele não diz: ‘Quando estiverem dois ou três reunidos, estarei no meio de vós”, mas sim: ‘Quando estiverem dois ou três reunidos em meu nome’. Aí está o mais importante: convocados por Ele, respondemos ao seu chamado. Somos pois chamados pelo próprio Deus para uma Nova Aliança e é a Ele que devemos responder. Casal e Evangelho: não é o fruto do acaso.”

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