sexta-feira, 25 de março de 2011

A casa dos discípulos em Jerusalém - Volpini - ROMA 2003

A casa dos discípulos em Jerusalém (Lc 24,36-44)


Jesus morreu, mas alguém diz que o viu, os apóstolos estão transtornados, assustados com o que aconteceu, de ficarem sem o seu Mestre; estão a falar “dessas coisas atrás de portas cerradas” e, de repente, Jesus lhes aparece. Ele lhes traz a paz e senta-se com eles uma vez mais, para comer e falar com eles, tranqüilizá-los: “Foram estas as palavras que vos disse, quando ainda estava convosco”.

Os apóstolos são como muitos de nós, receiam não compreender bem o que está acontecendo, sentem-se desorientados perante coisas incompreensíveis, desejam interpretar os sinais dos tempos, querem falar, discutir, trocar opiniões. Há a tomada de consciência e o sentido da história vivido na primeira pessoa e a tentação de só viver o nosso pedaço de vida, sem interesse por mais nada, sem olhar além da porta da nossa casa.

A multiplicidade dos acontecimentos, os seus aspectos contraditórios, os acasos da história, muitas vezes incompreensíveis, a pobreza e a opulência, a justiça e a solidariedade, a guerra e a paz... a nossa vida balança entre o apelo das bem-aventuranças e o desejo de segurança para nós e os nossos filhos, entre a consciência de que partilhar é necessário (mas até onde?) e o direito a uma vida protegida (de que maneira?), entre a escolha de uma fé autêntica e a chamada a uma vida “igual à dos outros”, entre a escuta dos nossos sentimentos mais íntimos e as solicitações ensurdecedoras da mídia. Fome de palavras para compreender, sede de silêncio para refletir. Palavra e silêncio, troca de idéias e reflexão são necessários para conseguir efetuar escolhas responsáveis e tornar adulta a nossa fé.

A equipe vem ao encontro da nossa espera, mais profunda hoje num mundo menos transparente, pondo à nossa disposição o tempo do tema de estudos.. Não se trata somente de abordar um assunto, quer seja social, político ou religioso de um ponto de vista estritamente cultural, mas de tentar que a vida e a história penetrem a nossa vida e a nossa história. Já não estamos naquela época (e teria ela alguma vez existido?) em que a vida cristã se reduzia ao espaço familiar e à nossa casa: tomamos consciência de que é somente no âmbito da relação com os outros que encontramos o sentido da nossa existência e a possíbilidade de nossa salvação; temos, pois, obrigação de viver este momento consagrado ao tema de estudos com uma atenção e cuidado especiais. São os outros que nos conduzem a Deus, são eles que nos permitem descobrir aspectos da face de Deus; somos então chamados não só a ir ao encontro físico dos outros e a oferecer-lhes algo de nós, mas também a empenhar-nos por compreender, ler e estudar realidades diferentes, trocar opiniões sobre temas que nos falam do mundo que nos cerca, para aprofundar a Palavra de Deus, viva em qualquer tempo, para interpretar à sua luz os acontecimentos contemporâneos.

 É este o espaço do tema de estudos: os apóstolos falavam do que tinha acontecido e o mesmo convite nos é feito: falar, partilhar e procurar juntos o sentido de tudo o que acontece. Ao longo dos primeiros anos, a nossa atenção estava principalmente concentrada no nosso “eu”, ligada talvez ao sentimento de insegurança e de imaturidade que nos levava a defender e a proteger exageradamente esse “eu”. Abaixar a guarda parecia-nos uma perda de identidade; depois, pouco a pouco, as nossas personalidades se confirmaram e tornaram-se livres, podíamos, pois, perder algo, sem por isso nos perdermos a nós mesmos, e aprendemos a “soltar as amarras” dos nossos egoísmos, das nossas exigências ainda que legítimas, das nossas pequenas e grandes ambições; conseguimos assim fazer amadurecer o nosso “eu” e o nosso “nós”.

Seguindo esse caminho tivemos a impressão de compreender que nada realizaríamos no plano social sem partilhar realmente os problemas e as situações de vida dos outros, não só para melhor os compreender mas também para vivê-los todos juntos. No começo, em equipe, falávamos sobretudo de nós, ou talvez não, também de acontecimentos exteriores, mas sem nos sentirmos implicados neles, sem termos tomado consciência de que aquilo que considerávamos “exterior” devia fazer parte da nossa experiência de vida, estar “no interior”. Assim, o tema de estudos foi progressivamente adquirindo outro significado, à medida que nós mesmos nos íamos modificando e o que era espaço de troca intelectual tornou-se um exercício de escuta e de aprofundamento para realmente compreender, para não dar respostas prontas, para relacionar os nossos sentimentos com os acontecimentos, acontecimentos esses mais ou menos longe de nós e que só aparentemente parecem não nos dizer respeito. O tema de estudos tornou-se um caminho de interioridade e de amadurecimento tanto do ponto de vista social como do ponto de vista da fé.”

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