quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Papas também renunciam.



Frei Betto
Em geral, intelectuais não se dão bem com funções de poder. Parecem enfadonhas diante de tantos livros por ler e escrever


O papa não adoece, até que morra”, diz um provérbio romano. João Paulo II, homem midiático, não temeu expor–se enfermo aos olhos do mundo. Agora, Bento XVI dá um testemunho de humildade e, admitindo as limitações de seu precário estado de saúde, anuncia que renunciará dia 28 de fevereiro. 
Na história da Igreja quatro papas renunciaram ao ministério petrino: Bento IX (1º/05/1045), Gregório VI (20/12/1046), Celestino V (13/12/1294) e Gregório XII (4/07/1415). Bento XVI será o quinto.

Sagrado papa aos 20 anos, em 1032, Bento IX não primava pela ética e muito menos pela moral. Sua vida era um escândalo para a Igreja. O povo romano expulsou-o da cidade em 1044. Em 1045, voltou a ocupar o trono de Pedro e, meses após, renunciou. Retornou ao papado em 1047, do qual foi deposto definitivamente no mesmo ano. 
João Graciano, padrinho de Bento IX, pagou considerável quantia de dinheiro para que o afilhado lhe cedesse o lugar. Eleito papa em maio de 1045, adotou o nome de Gregório VI e governou a Igreja até dezembro de 1046, quando o afilhado o derrubou sob acusação de simonia.

Morto Nicolau IV, em 1292, cardeais italianos e franceses fizeram do consistório arena de disputas pelo poder, movidos mais por interesses políticos que pelas luzes do Espírito Santo. Após dois anos e três meses de impasse na eleição do novo papa, Pedro Morrone, eremita italiano, de sua caverna nas montanhas enviou carta ao consistório, instigando-o a não abusar da paciência divina. Os cardeais viram na carta um sinal de Deus e decidiram fazer do monge o novo chefe da Igreja. Pedro Morrone relutou, não queria abandonar sua vida de pobreza e silêncio, mas os prelados o convenceram de que o consenso em torno de seu nome tiraria a Igreja do impasse. 

Com o nome de Celestino V, tornou-se papa em agosto de 1294. Menos de quatro meses depois, a politicagem vaticana o levou ao limite de sua resistência. Em consulta a seus eleitores, levantou a pergunta-tabu: pode o papa renunciar? 

O colégio cardinalício não se opôs e, numa bula histórica, Morrone justificou-se, alegando deixar o trono de Pedro para salvar sua saúde física e espiritual. A 13 de dezembro do mesmo ano retornou à solidão contemplativa nas montanhas. Vinte anos depois foi canonizado, exaltado como exemplo de santidade. A 19 de maio a Igreja celebra a festa de São Pedro Celestino. 
Também o papa Gregório XII renunciou, no início do século XV, para evitar que o cisma na Igreja se aprofundasse.

Joseph Ratzinger, atual Bento XVI, é sobretudo um teólogo. Enquanto papa, não deixou de escrever, tanto que lançou uma trilogia sobre Jesus. São raros os papas-autores, sem considerarmos os documentos pontifícios, como encíclicas e bulas, quase sempre redigidos por assessores. 

Em geral, intelectuais não se dão bem com funções de poder. As questões administrativas parecem enfadonhas diante de tantos livros por ler e escrever. O político quer administrar; o intelectual, criar. Ratzinger talvez tenha decidido reservar o que lhe resta de tempo de vida para recolher-se à oração e à produção teológica.

Inicia-se agora a eleição do sucessor de Bento XVI. Dos atuais 209 cardeais da Igreja Católica, 118 têm direito a voto, por terem menos de 80 anos. Cinco eleitores são brasileiros: Geraldo Magella, arcebispo emérito de Salvador (79); Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo (78); Raymundo Damasceno, cardeal-arcebispo de Aparecida (76); João Braz de Aviz, ex-arcebispo de Brasília, hoje em Roma como Prefeito da Congregação para a Vida Consagrada (64); e Odilo Scherer, cardeal-arcebispo de São Paulo (63). 
Com certeza o novo papa fará sua primeira viagem pontifícia ao Rio de Janeiro, em julho, para a Jornada Mundial da Juventude.

http://www.correioriograndense.com.br/correio/edicoes/frame.php?edicao=343

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