segunda-feira, 20 de março de 2017

A SEDE E A ÁGUA VIVA


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Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Entramos na Terceira Semana da Quaresma contemplando Jesus e a Samaritana à beira do poço de Jacó. Rica página do Evangelho de João, especialista numa espécie de simbologia dos opostos: água e sede, luz e trevas, o mundo e o Reino, entre outros. Na reflexão dessa metáfora sobre a água e a sede, três aspectos chamam a atenção.
O primeiro é que água e sede fazem parte, ambas, de nossa natureza humano-divina. No episódio evangélico, aquele que pede de beber diz possuir uma água que mata “todas as sedes”, e aquela que teria água para oferecer revela uma sede que vem do fundo da alma. Água e sede se misturam e se entrelaçam: ninguém é só água, ninguém é só sede; ninguém é água o tempo todo, ninguém é sede o tempo todo. Todos somos essa mescla indefinível de água e sede. O poço, lugar do encontro, é que proporciona o desnudamento interior de cada um e proporciona, simultaneamente, o intercâmbio recíproco de carências e de valores. A água viva jorra da atitude de abertura, diálogo, escuta, compreensão, perdão e misericórdia – marcas humanas da face divina de Jesus Cristo. Na relação entre o divino e o humano, toda a sede é saciada na busca de uma intimidade crescente e envolvente.
O segundo aspecto é que, diante da sede de cada um e de tantas sedes do mundo de hoje, a água que ansiosos buscamos se revela, ao mesmo tempo, turva e límpida. Também aqui as fronteiras são indefinidas e nebulosas. A sociedade em que “somos, vivemos e nos movemos”, extremamente apelativa e permissiva, oferece as mais diversas fontes de água: dinheiro sonante, com cartão de crédito, conta bancária; possibilidade de sucesso e realização pessoal; uma infinidade de penduricalhos para consumo, como carro, celular, computador, etc.; modismos de toda ordem; culto do corpo e de uma exagerada auto-estima; sexo fácil e sem compromisso; amizades e laços substituíveis, efêmeros, descartáveis; espetáculos que nos enchem os olhos e os ouvidos de cores e sons, luzes e imagens; inúmeras remédios para os males que assolam o corpo e o espírito, prometendo a saúde física e mental; energias cósmicas, como uma corrente elétrica que tudo irriga e ilumina... Enfim, objetos e forças tanto mais abundantes e necessários quanto mais profunda a sede. Esta, porém, recusa a extinguir-se. Bebemos dessa água, nos saturamos de coisas e relações, mas o vácuo da sede permanece ou se aprofunda. A água, límpida na aparência de pequenas alegrias e satisfações, rapidamente se turva e envenena o ambiente pessoal e familiar, comunitário e social. Irrequietos e insaciáveis, o coração e a alma prosseguem a busca, teimosos na travessia!
O terceiro aspecto está conectado aos dois anteriores. O poço do encontro, por uma parte, e as diferentes fontes de água que a sociedade nos apresenta, por outra, nos levam a perguntar como transformar a água turva em água límpida e transparente. E aqui a resposta é mais simples e singela do que pode parecer à primeira vista. O segredo da vida cotidiana é que a água viva não jorra de grandes feitos, de atos heróicos, de decisões bombásticas. A água da chuva, dos rios e dos oceanos é feita de pequenas gotas. O mesmo ocorre com a água viva que brota do Evangelho. Um olhar, um sorriso, uma palavra, um toque, uma visita, um “bom dia”, um ouvido atento, um coração aberto, a mão estendida num gesto de solidariedade – eis as gotas que formam o oceano. A trajetória de Jesus, que “percorria todas as cidades e aldeias” é ricamente permeada dessas gotas de “compaixão”, diante das “multidões cansadas e abatidas, como ovelhas sem pastor” (Mt 9-35-38). Não há espetáculo, não há mídia, não há marketing... Há persistência e doação até a cruz. É no martírio do dia-a-dia que a água viva fecunda o deserto sedento da história humana. Por outro lado, somente a chuva fina é capaz de irrigar o solo e torná-lo fértil. A tempestade devasta e destrói, só a chuva miúda chega até as raízes.
Roma, 17 de março de 2017


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