Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Entramos na Terceira Semana da Quaresma
contemplando Jesus e a Samaritana à beira do poço de Jacó. Rica página do
Evangelho de João, especialista numa espécie de simbologia dos opostos: água e
sede, luz e trevas, o mundo e o Reino, entre outros. Na reflexão dessa metáfora
sobre a água e a sede, três aspectos chamam a atenção.
O primeiro é que água e sede fazem
parte, ambas, de nossa natureza humano-divina. No episódio evangélico, aquele
que pede de beber diz possuir uma água que mata “todas as sedes”, e aquela que
teria água para oferecer revela uma sede que vem do fundo da alma. Água e sede
se misturam e se entrelaçam: ninguém é só água, ninguém é só sede; ninguém é
água o tempo todo, ninguém é sede o tempo todo. Todos somos essa mescla
indefinível de água e sede. O poço, lugar do encontro, é que proporciona o
desnudamento interior de cada um e proporciona, simultaneamente, o intercâmbio
recíproco de carências e de valores. A água viva jorra da atitude de abertura,
diálogo, escuta, compreensão, perdão e misericórdia – marcas humanas da face
divina de Jesus Cristo. Na relação entre o divino e o humano, toda a sede é
saciada na busca de uma intimidade crescente e envolvente.
O segundo aspecto é que, diante da sede
de cada um e de tantas sedes do mundo de hoje, a água que ansiosos buscamos se
revela, ao mesmo tempo, turva e límpida. Também aqui as fronteiras são
indefinidas e nebulosas. A sociedade em que “somos, vivemos e nos movemos”,
extremamente apelativa e permissiva, oferece as mais diversas fontes de água:
dinheiro sonante, com cartão de crédito, conta bancária; possibilidade de
sucesso e realização pessoal; uma infinidade de penduricalhos para consumo,
como carro, celular, computador, etc.; modismos de toda ordem; culto do corpo e
de uma exagerada auto-estima; sexo fácil e sem compromisso; amizades e laços
substituíveis, efêmeros, descartáveis; espetáculos que nos enchem os olhos e os
ouvidos de cores e sons, luzes e imagens; inúmeras remédios para os males que
assolam o corpo e o espírito, prometendo a saúde física e mental; energias
cósmicas, como uma corrente elétrica que tudo irriga e ilumina... Enfim,
objetos e forças tanto mais abundantes e necessários quanto mais profunda a
sede. Esta, porém, recusa a extinguir-se. Bebemos dessa água, nos saturamos de
coisas e relações, mas o vácuo da sede permanece ou se aprofunda. A água,
límpida na aparência de pequenas alegrias e satisfações, rapidamente se turva e
envenena o ambiente pessoal e familiar, comunitário e social. Irrequietos e
insaciáveis, o coração e a alma prosseguem a busca, teimosos na travessia!
O terceiro aspecto está conectado aos
dois anteriores. O poço do encontro, por uma parte, e as diferentes fontes de
água que a sociedade nos apresenta, por outra, nos levam a perguntar como
transformar a água turva em água límpida e transparente. E aqui a resposta é
mais simples e singela do que pode parecer à primeira vista. O segredo da vida
cotidiana é que a água viva não jorra de grandes feitos, de atos heróicos, de
decisões bombásticas. A água da chuva, dos rios e dos oceanos é feita de
pequenas gotas. O mesmo ocorre com a água viva que brota do Evangelho. Um
olhar, um sorriso, uma palavra, um toque, uma visita, um “bom dia”, um ouvido
atento, um coração aberto, a mão estendida num gesto de solidariedade – eis as
gotas que formam o oceano. A trajetória de Jesus, que “percorria todas as
cidades e aldeias” é ricamente permeada dessas gotas de “compaixão”, diante das
“multidões cansadas e abatidas, como ovelhas sem pastor” (Mt 9-35-38). Não há
espetáculo, não há mídia, não há marketing... Há persistência e doação até a
cruz. É no martírio do dia-a-dia que a água viva fecunda o deserto sedento da
história humana. Por outro lado, somente a chuva fina é capaz de irrigar o solo
e torná-lo fértil. A tempestade devasta e destrói, só a chuva miúda chega até
as raízes.
Roma, 17 de março de 2017
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