quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Vivências do Padre Caffarel III


A oração – a meditação
Sabemos quanto o Padre. Caffarel se empenhou, até ao limite das suas forças, para conduzir os leigos a
fazerem a experiência de oração.
Consagrou a isso os seus últimos anos de vida, em Troussures, com as suas memoráveis semanas de
oração. Lembremos ainda os Cadernos de Oração, ou as noites que ele animava em Paris, na Mutualité.
É preciso que cada um se comprometa neste caminho secreto, único que permite encontrar pessoalmente
Cristo.
Às objecções e às diferentes questões que lhe punham, o Padre. Caffarel responde sempre com firmeza:
“Precisam de um guia? Nós damo-lo; podem encontrá-lo. Falta-vos tempo? Têm tempo para comer e
para dormir, não deixem a vossa alma morrer de inanição! ” (cf. Reflexões, pp. 128-129)
A “oraison”, a que podemos chamar Meditação, significa abandonar estes arredores tumultuosos do
nosso ser, de que tanto falou, é recolhermo-nos, reunir todas as nossas faculdades e mergulharmos na
noite árida a caminho da profundidade da nossa alma. “Aí, à entrada do santuário, basta fazer silêncio e
prestar atenção. Não se trata de uma sensação espiritual, de uma experiência interior, trata-se de Fé:
acreditar na Presença. Adorar em silêncio a Trindade viva. Oferecer-se e abrir-se à sua vida
transbordante. Aderir, comungar o seu Ato eterno”.
A “oraison”, é uma “conversa com Deus”, escrevia Clemente d’Alexandria. […] Para Santa Teresa
d’Avila, a oração de encontro pessoal é “um comércio de amizade onde mantemos uma conversa a sós
com Deus por quem nos sabemos amados”. […]
Apesar de querermos respeitar o tempo que nos foi dado para esta palestra queríamos referir ainda Os
objectivos do Movimento, de Caffarel em duas das suas intervenções: Uma conferência dada em 1952
aos Responsáveis; e mais tarde, a conferência aos casais regionais europeus, em Chantilly, 40 anos após
a carta, em 1987.
 O Movimento das Equipas de Nossa Senhora é então:
- uma escola de vida cristã: « adquirir a compreensão da vida cristã, do que ela é, de todas as
riquezas do dogma», e particularmente a descoberta das Escrituras, à luz da tradição.
- um centro de difusão: Um dos objetivos é o de contribuir para a preparação dos jovens para o
casamento. Igualmente, numa «dinâmica de círculos concêntricos», o Padre Caffarel pede às
equipas que trabalhem não apenas na sua expansão, mas ainda que levem outros casais à
espiritualidade
- um testemunho: Simplesmente o testemunho da caridade fraterna, no espírito da palavra de Jesus :
«Reconhecerão por este sinal que sois os meus discípulos, porque vos amais uns aos outros». Os
Casais, diz a Carta, «querem que o seu amor, santificado pelo sacramento do matrimônio, seja um
louvor a Deus, um testemunho para os homens provando-lhes com evidência que Cristo salvou o
amor…»
Em Chantilly, o Padre Caffarel registra ainda o que foi menos bem compreendido nas ENS até aquele
momento: a abnegação, ao lado do amor, como o dom de si mesmo, o esquecimento do próprio.
Fazendo uma referência à sexualidade, ele afirma que era preciso guiar os casais em direção à perfeição
da vida sexual.
Ele espera que a missão das ENS na Igreja sirva para renovar a antropologia, reconhecendo totalmente a
complementaridade dos sexos, rejeitando o maniqueísmo corpo-alma. Desenvolver a entre ajuda para
caminhar em direção à santidade, santidade dinâmica, ativa, participante na evolução do mundo.
Este dom que o Senhor concedeu à Igreja e ao mundo através do padre Caffarel não foi entregue para
ser guardado como um tesouro, mas para ser transmitido com muito amor. Foi dado para responder a
uma necessidade e, por isso, para ser partilhado.
Acreditamos que a grande riqueza da vida está na partilha do amor e se os Carismas estão ao serviço do
amor, sucedem-se na História como resposta aos sinais dos tempos.
Não esquecendo ainda que no Carisma há vocação, que tem de ser vivida segundo o seu espirito,
escolhemos três palavras muito queridas do Padre Caffarel, porque são o eixo que nos suporta para
manter a fidelidade e a unidade no nosso Movimento. - REZAR, SERVIR, AMAR –


Iniciemo-nos então na arte de escutar, assente nessas três palavras intermutáveis que nos conduzem
sempre uma às outras, não importando a ordem como estão dispostas

REZAR
Revelar o amor de Deus aos outros não se busca pelo sucesso, mas na e com a oração. É um longo
processo que vamos experimentando e vamos guardando no coração, como Nossa Senhora o fez. E tudo
quanto nos chega pela Palavra de Deus, decerto um dia nos desenvolverá o seu sentido profundo. É Nele
que se pode estabelecer a intimidade necessária, promovendo o Encontro para fazer desabrochar as
potencialidades dos outros.

Se procurarmos no mais fundo de nós mesmos, vemos que aí permanece uma ânsia não satisfeita, o
desejo de responder à Palavra de Deus, que vindo ao nosso encontro nos chama, nos convida para o Seu
Amor. A escolha de qualquer pedagogia corresponde a uma mística e a um discernimento das
necessidades que só pode ser feito através da oração.
SERVIR
Não é possível aceitar as coisas sem as compreender, nem propô-las sem lhes dar uma razão.
É preciso fazer um esforço permanente para aprofundar os meios que o nosso Movimento nos propõe.
“É como quando tiramos água de um poço e ela está um pouco turva, é preciso aprofundá-lo para
encontrar água cada vez mais clara”.
Temos que conhecer cada vez mais e melhor o Carisma do nosso Movimento e caminhar em direcção a
esse Carisma para melhor o podermos servir.
No serviço, começa-se por silenciar o próprio eu. Esse eu que tem sempre alguma coisa a dizer, para
escutarmos Deus e podermos descobrir o fogo escondido que cada um trás em si e colocá-lo no seu
lugar. Tomemos então uma atitude interior que nos faça procurar e reconhecer em cada pessoa esta parte
do mistério de Deus que o habita.
O Padre Caffarel dizia numa conferência feita nos anos setenta:
“Se nos limitarmos ao dom de um ao outro, como casal, os dois riachos formarão uma lagoa, e numa
lagoa a água bem depressa estagna; mas, se além de nos darmos um ao outro, nos dermos juntos aos
outros, forma-se um rio de água corrente. Acredito mais do que nunca que o casal cristão tem um papel
extremamente importante na Igreja e na sociedade.
É bom desenvolvermos esta regra em casal, mas quem assumiu uma responsabilidade de serviço tem de
ter sempre presente este estado de espírito.”
E porque estamos a falar de serviço, queremos partilhar convosco um momento difícil da nossa vida,
mas transformado pelo amor ao nosso Movimento e a todos os seus casais.
Éramos, na altura, responsáveis da SR de Portugal e tínhamos chegado do Encontro Internacional de
Santiago de Compostela, a 22 de Setembro de 2000. (como vêm temos estas datas bem guardadas no
nosso coração). A 28 desse mês, tínhamos reservado a noite no Secretariado para um encontro de
Formação aos casais de Angola e Moçambique, vindos de Santiago que antes de regressarem a Africa
fariam formação em Lisboa.
Tudo tinha sido planeado ao pormenor, queríamos aproveitar bem a permanência destes casais para
preparar a expansão das ENS em África.
A Tó, que se sentia muito cansada, tinha ido fazer nessa tarde uns exames e soube nessa mesma tarde
que tinha um cancro e teria de fazer uma cirurgia urgente, o que veio a acontecer poucos dias depois.
Saímos de casa depois de jantar, como gente sem norte, que partia sem saber para onde ia. Fizemos a
reunião no secretariado, num
ambiente de alegria, sem nada dizer o que nos ia na alma, tendo terminado os trabalhos à meia-noite.
Contudo, era necessário deixar uns casais de África onde estavam instalados, a mais de 80 km.
Metemo-nos todos no carro e com alegria começamos a cantar e rezar, dando graças a Deus pelo êxito
da reunião.
No regresso a casa, à uma e tal da manhã, caímos na realidade e sentíamo-nos frágeis como as
crianças que começam a andar. Com uma certa angústia, fizemos uma oração em que os dois nos
entregamos a Deus e debaixo de lágrimas dissemos - Lhe que fizesse o que quisesse das nossas vidas. E
já lá vão 15 anos, e graças a Deus estamos aqui…
A partir desse dia, e sobretudo depois de muita coisa passada, mudamos a nossa idéia do que é partir
em missão. Antes estávamos muito seguros de nós, com muitos projetos que preparávamos com muito
detalhe, para nada falhar. Sonhávamos com grandes feitos, com viagens a África para dinamizar a
expansão do Movimento, etc, etc…
A partir de Setembro de 2000, aprendemos que servir o Senhor é acima de tudo, confiar mais Nele do
que em nós, e partir sem medos. Aprendemos que servir o Senhor em casal é darmos os dois um “Sim”
incondicional, para que faça, através de nós, o que Ele quiser até ao último dia das nossas vidas.
AMAR
Deus não nos pede que sejamos outra pessoa, pede-nos apenas que celebremos o amor para que ele não
morra.
A experiência de Amor, a experiência de filhos de um Pai, que está sempre nos momentos de alegria, de
projeto, de sonho e também nos de dor, de fracasso, de cegueira, de crises… é uma experiência decisiva.
Ao longo da nossa vida temos descoberto que é uma pedagogia muito própria, a de Deus. Deus não
planeia os nossos caminhos como nós e então sim, aqui começa o nosso discernimento.
Pensamos muitas vezes que ao acabarmos uma responsabilidade já não voltamos a ser chamados. Isso
mesmo aconteceu conosco.
Começamos em 1981 por ser chamados para pertencermos à Equipa Coordenadora de Informação e
Pilotagem, depois para responsáveis do Sector de Cascais, mais tarde responsáveis da Região, a seguir
da Supra Região de Portugal e por último, quando pensávamos ir descansar finalmente, para a Equipa
Responsável Internacional (ERI), os seis primeiros anos como responsáveis das Equipas Satélites e
desde 2012 como casal responsável internacional … onde continuamos ao serviço, até Deus querer.
Precisamente nesses momentos, naqueles em que já não esperávamos comprometermo-nos mais, é nessa
altura que o Senhor volta e chama o casal que somos, com as coisas boas e más.
Mas Ele olha-nos de novo nos olhos, pega-nos na mão e diz-nos com paciência e ternura: Vem!
Aqui está claro. Ele chama-nos a um Amor maior.
Aquele que já fez esta experiência, desse olhar de amor imerecido, desta chamada insistente, mas ao
mesmo tempo enternecedora…, sabe que Ele nos trata pelo nome próprio.
E este apelo modifica por completo a qualidade da nossa entrega, porque compreendemos que não
fomos chamados pelos nossos talentos, nem porque não haja outros, nem sequer por casualidade.
Afinal, Ele chama-nos só para que O amemos mais e disso todos somos capazes.
Amar exige conhecer e Ele conhece-nos, mas quer que o conheçamos também.
A ação do Espírito nestes chamamentos é uma experiência impressionante, que nos faz viver num estado
de alma diferente: o do serviço gratuito e desinteressado, que nos chega só através da oração.
Os que se sentem amados por Deus, nosso Pai, descobrem os outros como irmãos, dão-se conta que a
sua primeira Missão é de Amar: “Vede como eles se amam”. Sem este testemunho de amor nada, mesmo
nada tem sentido; nem reuniões, nem documentos, nem organizações exemplares. O amor divino não é
teórico nem utópico. È real e prático, o mais prático que existe, e, por isso, só tem sentido se for vivido,
praticado.
Amar é o grande testemunho que uma equipa de responsáveis deve dar!
Como é exigente esta etapa! Todos somos diferentes, mas todos iguais aos olhos de Deus, enquanto
filhos, com carismas diferentes, e talentos próprios, é certo, mas como é gratificante ultrapassar esta
etapa e avançar em conjunto, procurando a vontade de Deus.
Deus chamou-nos, a todos, a este Amor tão grande, pelo que não podemos calar o que vivemos e
precisamos de arrastar os outros. O testemunho arrasta…
Não é movido pelo testemunho do Padre Caffarel que nos encontramos de novo, hoje, aqui reunidos?
Animados pelo modo como o nosso fundador amou o Movimento, alegremo-nos e encorajemo-nos para
sairmos daqui mais fortes, como filhos do mesmo Pai, irmãos do mesmo Senhor Ressuscitado, com a
convicção de que há muito a fazer no mundo que nos rodeia.
O que conta não é a importância do que fazemos, mas sim a necessidade de nos unirmos a Ele, numa
entrega total, com um amor incondicional, estejamos na etapa de vida que estivermos.
Quando uns casais das ENS - que nos seus últimos anos de vida do P. Caffarel o visitaram em
Troussures – lhe pediram que os aconselhasse como fazer a sua oração, ele apenas lhes dizia que
repetissem sempre:
 “ Senhor, Eu quero o que Tu queres “
E o Senhor responde sempre: “ Eu amo-te.”
O chamamento é aqui e agora, não quando tivermos tempo, amanhã, não sei quando posso, depois talvez
Foi Ele que tomou a iniciativa de nos escolher, como pessoas, como casal, inclusive para pertencermos
às ENS e depois para nos dar uma Missão.
Renunciemos a tudo a que o nosso coração esteja apegado e partamos sem medo, dando a mão a Maria -
que o Padre Caffarel tanto amava - com a certeza que nos dirá sempre o que Ele quer que façamos.

Tó e Zé CRERI

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